"A sentença reafirma que nenhuma forma de tratamento para dependência química pode ser feita à margem da lei ou baseada na violência. A internação contra a vontade do paciente, sem respaldo legal, é crime e configura grave violação de direitos. O tratamento de pessoas com dependência química em Comunidades Terapêuticas deve ser voluntário, respeitoso e fundamentado em critérios técnicos, com acompanhamento médico e psicológico", ressaltou o Promotor de Justiça Rodrigo Silveira de Souza, que atuou no processo.
Como ocorriam os crimes
As famílias interessadas na internação de seus parentes faziam contato com o proprietário do local. Com a autorização da família, uma equipe de funcionários da clínica era mobilizada para realizar o chamado "resgate".
Essa ação consistia na retirada forçada do paciente de sua residência, contra sua vontade, mediante o uso de força física, sendo ele colocado em um veículo e conduzido até a unidade.
Durante o trajeto até a clínica, os pacientes, em diversas ocasiões, eram submetidos a intenso sofrimento físico e mental, por meio de agressões verbais, socos, chutes, choques elétricos, uso de algemas e outras formas de violência, práticas completamente ilegais e não respaldadas por qualquer legislação e autorização judicial.
Ao chegar na instituição, os internos recebiam uma combinação de medicamentos apelidada de "batiguti", sem qualquer avaliação ou prescrição médica.
Dopados, eram levados a um cômodo conhecido como "toca", onde permaneciam segregados por dias, sendo submetidos a agressões físicas, psicológicas e medicação forçada, além de terem que realizar suas necessidades fisiológicas em baldes.
A liberação do interno da "toca" era condicionada, de forma arbitrária, à autorização do proprietário ou dos coordenadores. Após a saída, o paciente passava a conviver com os demais internos e a participar das atividades da comunidade terapêutica. No entanto, o quarto também era utilizado como forma de punição para os internos que não cumpriam ordens e regras impostas.
Durante todo o período em que permaneciam na instituição contra a própria vontade, os internos eram mantidos em cárcere privado, com a liberdade pessoal violada pelo proprietário da unidade.
A sentença teve como base os relatos de ao menos duas vítimas, que afirmaram ter sido sequestradas e submetidas aos tratamentos cruéis praticados no local. As provas colhidas durante a investigação confirmaram a sistemática de violações cometidas na instituição.
Fiscalizações frequentes
O local continua em funcionamento e é regularmente fiscalizado pelo MPSC, a fim de impedir o retorno de práticas ilegais.
Em abril, a 4ª Promotoria de Justiça de Tubarão expediu uma recomendação, acatada pela comunidade, que determina uma série de adequações. Entre elas, destacam-se a proibição do recebimento de internos contra a própria vontade, o respeito ao limite máximo de ocupação da estrutura, a adoção de medidas de segurança, e a proibição de castigos físicos, psíquicos e morais, entre outras exigências.
Além disso, há uma sentença já transitada em julgado, favorável ao MPSC, que proíbe o local de realizar internações involuntárias, permitindo apenas o acolhimento de pacientes de forma voluntária.